03/08/2023 08:55
De forma geral, todas as empresas são impactadas pela baixa oferta de mão de obra qualificada – e a indústria da inovação não foge à regra. Uma das pesquisas mais recentes sobre o tema, feita pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e divulgada em 2020, indica que 50% das plantas extrativas e de transformação têm problemas em encontrar profissionais graduados.
“De acordo com as empresas ouvidas no estudo, as carências são maiores nas áreas de produção e de pesquisa e desenvolvimento (P&D)”, destaca Gianna Sagazio, diretora de inovação da CNI. O percentual de organizações que reportam problemas na área de P&D chega a 91% do total, depois apenas das que sentem escassez de operadores (98%) e técnicos (95%).
Entre os setores de atividade, o de biocombustíveis é o que mostra a maior parcela de indústrias (70%) com entraves para admitir pessoal capacitado. Em seguida, aparecem o de móveis (64%) e o de vestuário (62%). O efeito da falta de candidatos especializados em relação ao objetivo de “adquirir e absorver novas tecnologias” é maior entre as grandes fabricantes, com 31% do total.
Sagazio destaca ainda o “gap” no segmento de tecnologia da informação (TI), base da indústria 4.0, conceito que abarca a automação industrial e a integração de recursos como a inteligência artificial (IA) e a robótica. “Relatórios da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais (Brasscom) explicitam os gargalos no Brasil”, diz. Estima-se que o país forme aproximadamente 53 mil pessoas ao ano para atender uma demanda anual de 159 mil profissionais, compara. “O déficit é gigantesco.”
Para contornar o problema, a diretora de inovação da CNI diz que as companhias têm investido na capacitação da força de trabalho e em cursos para o público externo, mas as ações podem ser insuficientes. “A falta de trabalhador qualificado é um problema estrutural, que se relaciona com deficiências de formação acumuladas desde a infância”, afirma. “A má qualidade da educação ainda tem o agravante de afastar os jovens das carreiras mais demandadas para os processos de inovação, como os cursos de engenharia.” Ela diz que o mercado recebeu em 2021 cerca de 105 mil engenheiros, ante 115 mil bacharéis em direito. “A formação de profissionais para inovação precisa ser tratada de forma mais estratégica”, analisa.
Uma das iniciativas bem-sucedidas e que poderia ser impulsionada, segundo Sagazio, é o programa Inova Talentos, realizado pelo Instituto Euvaldo Lodi, em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. “Dados mostram que cerca de 60% dos participantes são contratados ao término das experiências.”
Sagazio destaca ainda a Lei do Bem, incentivo fiscal à inovação no país, criada em 2005. “Estudos revelaram a efetividade da norma para a ampliação dos dispêndios em P&D e um impacto positivo no aumento de pessoal técnico-científico nas empresas”, explica.
Desde a promulgação da lei, mais de R$ 170 bilhões foram destinados a projetos de pesquisa e inovação, de acordo com o ministério. Em maio, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, afirmou que o governo federal quer ampliar o acesso à lei, excluindo uma restrição que impede companhias usufruírem do incentivo em caso de prejuízo fiscal. A Lei do Bem prevê a redução de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRJP) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) em troca de aportes privados em ciência e tecnologia.
“Quanto mais complexo for o desafio [de inovação] a resolver, mais as chefias dependerão de profissionais habilitados para realizar atividades de P&D”, diz Sagazio. “Por isso, programas que viabilizem a contratação de pessoal, o apoio à pesquisa e a cooperação universidade-empresa fortalecem a inovação.”
Entre as empresas que precisam munir seus laboratórios com cientistas inovadores, a escassez de opções pode aumentar com a pressão dos concorrentes. De acordo com Isis Borge Sangiovani, diretora-executiva da Talenses e sócia do Talenses Group, de recrutamento de executivos, a demanda por gestores em inovação na indústria aumentou 25% no primeiro semestre de 2023, em relação ao mesmo período do ano anterior.
“Indústrias tradicionais como a siderurgia, automotiva e química foram responsáveis por 60% das demandas, seguidas pelas de bens de consumo (20%) e serviços (20%)”, detalha. A procura, segundo Sangiovani, tem aumentado porque as companhias observam um valor agregado na inovação. As diretorias tinham pessoas de inovação no escopo, mas não eram focadas na área. “Há um surgimento de cargos centrados totalmente em gerir as iniciativas”, diz. A headhunter explica que o impulso por currículos é alimentado também por ações como a estruturação de corporate ventures, fundos criados por empresas para investir em startups e negócios inovadores.
Para Sangiovani, alguns dos gestores de inovação já empregados são oriundos de outras áreas das organizações, como operações e manufatura. Quando captados no mercado, as características ideais dos perfis incluem ter iniciativa e uma boa comunicação – para costurar acordos entre diferentes unidades nas corporações.
Os salários, dependendo dos cargos, podem variar de R$ 7 mil a R$ 9 mil para analistas e até R$ 45 mil no caso de diretores de inovação. “Já trabalhamos com vagas em que a remuneração para posições do C-Level em venture building [de criação de startups] passou dos R$ 100 mil.”
Na opinião de Gustavo Araújo, cofundador e CIO (Chief Information Officer) da plataforma de inovação Distrito, a procura por líderes no setor deve crescer porque a inovação aberta, que abrange parcerias entre grandes firmas e startups, ganhou tração nos últimos anos. “Em 2022, foram estabelecidos mais de 42,5 mil contratos de inovação aberta, ante 26,3 mil em 2021”, diz Araújo, baseado em dados da 100 Open Startups, plataforma de conexão entre startups e corporações. Para ele, o que os executivos mais consideram para aceitar uma proposta de trabalho é que a alta administração encare a inovação como um propósito.
Luis Gustavo Lima, CEO da ACE Cortex, consultoria de inovação com atuação em 15 países, diz que a maturidade de inovação em algumas empresas está exigindo profissionais mais completos. De acordo com pesquisa feita pela ACE neste ano, 43,8% dos respondentes afirmam que o maior desafio para inovar é a falta de governança do setor.
Em relação à capacitação dos gestores, apenas um em cada três entrevistados (31,2%) acredita que a liderança está “preparada” ou “muito preparada” para conduzir as organizações a um futuro inovador. O estudo ouviu 120 líderes de grupos com receita anual entre R$ 5 milhões e R$ 500 milhões. “O gestor de inovação precisa entender como a área impacta o negócio e vai gerar resultados no curto, médio e longo prazos”, analisa.
Camila Cinquetti, sócia responsável pela consultoria de people & organization na PwC Brasil, afirma que as chefias devem se preocupar mais com o upskilling (qualificação) para promover a inovação em suas fileiras. “As pessoas precisam ter confiança para serem agentes da transformação”, diz, baseada em dados de pesquisa global da consultoria. As organizações investem em treinamento, mas não o suficiente, destaca.
“Somente 27% dos entrevistados no Brasil e 40% no mundo afirmam que seus empregadores têm programas de upskilling”, afirma. O estudo da PwC, realizado no ano passado em 44 países, ouviu 52,1 mil profissionais, sendo dois mil no Brasil.
Na visão de Felipe Furtado, diretor nacional de ensino do Ibmec que atua com inovação há mais de 15 anos, a liberdade para produzir pode ser um atrativo para companhias que garimpam talentos. “A autonomia e o investimento para criar programas que permitem experimentar mudanças em processos e modelos de negócios são considerados para aceitar um convite de trabalho”, diz.
As organizações devem ter um plano de carreira estruturado, porque a possibilidade de crescer na profissão é atrativa, complementa Gabriela Maria D’Angelo Costa, analista de sensorial na Natura, contratada em abril. Antes de ser efetivada na multinacional brasileira, a profissional atuou por nove meses como pesquisadora temporária no setor de eficácia de cosméticos. Farmacêutica e doutora em cosmetologia, Costa lida com pesquisa científica desde 2011. Atualmente, participa de projetos voltados para o desenvolvimento de produtos faciais.
Fonte: Valor Econômico