20/06/2023 11:05
Para especialistas, proposta desvirtua simplificação planejada na reforma tributária
Por César Felício — De São Paulo
O governo do Amazonas preparou uma proposta para a reforma tributária que não só preserva os benefícios fiscais para as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus até 2023 como abre margem para que novas empresas se instalem na região em troca de incentivos. Além disso, cria um fundo de desenvolvimento válido somente para o Estado.
A proposta, que já foi discutida com a bancada amazonense no Congresso e defendida no Comitê Nacional dos Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz), é criticada por economistas, que veem uma crescente desfiguração da ideia original de uma reforma dos impostos que representasse uma simplificação do sistema.
Segundo o governador do Estado, Wilson Lima (União Brasil), a Zona Franca de Manaus significa 60% da atividade econômica do Amazonas. “Enfraquecer a Zona Franca é transformar o Estado em terra arrasada”, afirmou.
A ZFM representa uma renúncia em tributos federais de R$ 55 bilhões por ano, segundo o anexo da lei orçamentária anual deste ano. Trata-se da segunda maior renúncia em nível federal, atrás apenas do Simples. A renúncia fiscal estadual também é muito relevante: o Amazonas dá incentivos equivalentes a 52,3 % de sua receita de ICMS, o maior percentual estadual em 2021.
Trata-se da criação de um regime especial para o Estado”— Gabriel Leal de Barros
Lima disse que ainda está inseguro sobre qual diferencial tributário existirá no texto a ser apresentado pelo relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e como ele funcionará. O parecer de Ribeiro deve propor a unificação dos impostos federais e estaduais em um IVA dual, com poucas alíquotas diferenciadas por setor. “Não adianta ele dizer que a Zona Franca será protegida sem dizer como proteger”, afirma.
A proposta amazonense explicita tratamento tributário diferenciado para a Zona Franca até 2073, criando uma exceção à regra que proíbe incentivos fiscais. Segundo o texto apresentado, haverá crédito presumido “e outros benefícios necessários à manutenção da vantagem competitiva existente”, tanto para o IBS, quanto para o CBS. O crédito presumido ficará integralmente com o comprador de bens fabricados na Zona Franca.
O texto ainda impõe a incidência do futuro Imposto Seletivo (IS) sobre a fabricação em outros Estados de produtos também feitos na Zona Franca, como forma de manter uma espécie de cláusula de barreira. Segundo o secretário estadual de Fazenda, Alex Giglio, este IS majorado para os outros Estados compensaria o fim do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
A proposta vai além: determina que o Amazonas manterá a sua fatia atual no IBS, mesmo com a transferência da cobrança da origem para o destino, para garantir a sua receita própria. E se esses recursos não forem suficientes para manter o atual patamar de receita, a diferença seria coberta pelo fundo de desenvolvimento regional que está sendo concebido para a compensação dos Estados e municípios. “O Amazonas é o maior perdedor da reforma tributária, se não for compensado. Porque exporta para outros Estados praticamente tudo o que produz”, diz Giglio. Ele estima que a redução da receita própria do Amazonas seria de 50% com a conversão do ICMS da origem para o destino.
A proposta ainda amplia as vantagens para o Amazonas com a criação de um outro fundo, com o nome sugerido de “Fundo de Diversificação Econômica”, para a criação de novas matrizes produtivas no Estado. Esse fundo, exclusivo para o Estado, seria bancado com recursos federais e serviria, segundo Giglio, para o Estado deixar de ser tão dependente da Zona Franca.
A sugestão amazonense é muito criticada por economistas especializados, que acreditam que a proposta não apenas preserva os benefícios atuais da Zona Franca como abre caminho para a criação de novos, enquanto fecha a porta para os demais Estados. Esse casuísmo, caso avance, poderia ser aproveitado para outros governadores também pedirem tratamento diferenciado.
“Trata-se da criação de um regime especial para o Amazonas, eu diria especialíssimo, que amplia as vantagens com a criação de mais um fundo específico”, comentou Gabriel Leal de Barros, economista do fundo Ryo Asset, ex-diretor do IFI. Segundo Barros, a proposta tem viés protecionista, com a oneração do IS a outras regiões.
O economista vê o risco de se estabelecer compensações regionais que podem tirar o caráter neutro da reforma. “O fundo regional que está em discussão atualmente já está estimado em R$ 100 bilhões ao ano. O governo federal teria que destinar a ele portanto 1% do PIB, não existe esse recurso”.
Para ele, propostas como essas reforçam a tendência da reforma tributária em discussão no Congresso criar uma série de regimes próprios que devem alongar a transição e elevar muito a alíquota básica do futuro IVA. “É importante lembrar que 25% é apenas uma estimativa. O resultado final mais realista para manter o equilíbrio pode jogar esta alíquota para 35%, o que tornará o Brasil com o IVA mais alto do mundo”. Barros também vê o risco do sistema tributária ganhar mais complexidade jurídica em relação à situação atual, com a multiplicidade de regime.
Na opinião de Felipe Salto, economista da corretora Warren Rena e ex-secretário da Fazenda em São Paulo, há o risco de uma desvirtuação da reforma. “Mantidas todas as exceções que estão sendo propostas já não sei se a reforma tributária será positiva mesmo para o setor industrial”, disse.
Fonte: Valor Econômico