14/03/2018
Notícia publicada pelo Valor Econômico
A criação da primeira política no Brasil
que remunera a redução das emissões de
gases de efeito estufa, voltada para o
segmento de transportes e batizada de
RenovaBio, é encarada por grupos da
indústria como um abre-alas para novas
políticas que cimentem o avanço da
"bioeconomia" no país. O crescimento
desse "segmento" tem potencial para
gerar investimentos de centenas de
bilhões der reais e mudar o status de
culturas agrícolas do país, na avaliação da Associação Brasileira
Biotecnologia Industrial (ABBI), que reúne companhias cujos processos
envolvem produtos biológicos.
O termo "bioeconomia" não é novo, mas ainda vinha se mantendo à margem
das políticas públicas. Recentemente, o assunto voltou à pauta, à medida que
alguns países passaram a anunciar metas para reduzir o uso de combustíveis
fósseis ou acabar com motores à combustão.
Os defensores da bioeconomia se apresentam como substitutos das fontes
fósseis na indústria, por utilizarem processos e insumos de origem biológica e
com alta tecnologia agregada. Os exemplos vão desde etanol celulósico no
Brasil até sabão para roupas feito a partir de plantas.
Mas, para que a transição para uma bioeconomia no Brasil se concretize, é
preciso um amplo arsenal de políticas públicas, que podem tomar o
RenovaBio como ponto de partida, como afirma Bernardo Silva, presidente
ABBI. "Precisamos de uma precificação do carbono para toda economia. Sem
isso, a gente não consegue ser competitivo no curto, médio e longo prazos",
diz.
A empolgação com o RenovaBio - cujo decreto de regulamentação está
prestes a ser anunciado pelo presidente Michel Temer - não significa que a
indústria não tenha cautela. Para Silva, o atual momento de definição das
metas de redução de emissões para as distribuidoras é essencial para
determinar o grau de incentivo aos renováveis, já que a remuneração precisa
compensar os custos com o investimento em inovação.
E, mesmo quando o RenovaBio já estiver formatado, a indústria avalia que
será preciso uma janela de um ou dois anos para que se possa "ampliá-lo para
bioquímicos", afirma Emerson Vasconcelos, presidente regional para a
América Latina da Novozymes e atual presidente do conselho da ABBI. "Mas
seria uma adaptação relativamente rápida para outros setores da economia",
acrescenta.
De acordo com o previsto no RenovaBio, os produtores de biocombustíveis
venderão certificados de biocombustíveis (CBios) no mercado para que as
distribuidoras cumpram suas metas de emissões. Os papéis poderão ser
vendidos também por produtores de biodiesel, bioquerosene de aviação,
biogás e biometano.
Aplicar inicialmente uma política de precificação do carbono para
biocombustíveis seria, dessa forma, também um primeiro fomento para o
setor privado construir "biorrefinarias" - indústrias que podem utilizar uma
ampla gama de biomassas para produzir biocombustível e outros
"bioprodutos", como aromas, fertilizantes, bioquímicos etc. Atualmente, só
há uma biorrefinaria desse tipo no Brasil, em Brotas (SP), recentemente
comprada pela DSM da Amirys.
A ABBI calcula que há potencial no país para erguer 120 biorrefinarias,
integrando produção de etanol de primeira e segunda geração e de
bioquímicos, nas próximas duas décadas, o que demandaria investimentos de
US$ 400 bilhões - com capacidade para agregar US$ 160 bilhões ao PIB do
país, considerando também os efeitos sobre a cadeia.
Um movimento dessa magnitude teria capacidade de alterar o "tabuleiro
agrícola" do país, aumentando a área das culturas direcionadas para os
bioprodutos, observa Vasconcelos. Atualmente, porém, ainda há biomassa
nos solos para ser aproveitada e que ainda é descartada. Estima-se que, só
com a palha de cana não utilizada, poderiam ser produzidos 13 bilhões de
litros de etanol ao ano, metade da produção atual.
Entretanto, tal expansão depende ainda de outros incentivos governamentais
além de um novo RenovaBio, como a criação de um mercado para os
produtos da "bioeconomia" (como compras governamentais), redução do
custo de investimento para inovação, prazos mais longos para amortizar
financiamentos de tecnologias recentes e a criação de uma estratégia
específica para "bioeconomia".