06/02/2018
Notícia publicada pelo site O Globo
Associações que representam fabricantes de jogos eletrônicos
questionam a decisão da Organização Mundial da Saúde (OMS) de
incluir o vício em videogames como um distúrbio mental na próxima
edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e
Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Em comunicado, a
americana Entertainment Software Association (ESA) defende que
“pesquisas objetivas provam que os videogames não são viciantes”. Já
a britânica UK Interactive Entertainment (UKie) alerta que a medida
pode “estigmatizar” os 2,2 bilhões de jogadores em todo o mundo.
“Após considerações sobre o assunto e consultas a especialistas no campo, a conclusão da nossa colaboração global é que a proposta da OMS é profundamente falha e que o processo não teve a transparência adequada”, critica a UKie. “Os videogames podem educar e fornecer formas inestimáveis para a compreensão de temas sérios e diversos. Eles podem impactar a ciência do mundo real. Eles podem desenvolver as habilidades cognitivas, de resolução de problemas, o pensamento crítico, a empatia e a resiliência”.
As duas organizações participaram de um consórcio com outras associações nacionais e internacionais para a elaboração de uma carta enviada à OMS, pedindo a revisão da medida. No documento, os representantes da indústria alegam que existem pesquisadores contrários à classificação do distúrbio, que o processo de inclusão teve “pouca ou nenhuma transparência” sobre as evidências que basearam a decisão e que existe o risco de o debate tirar o foco de políticas educativas para que crianças e adolescentes possam se divertir de forma segura.
“Esta classificação terá um efeito adverso na maioria das 2,2 bilhões de jogadores em todo o mundo pela estigmatização de algo que eles gostam como parte de uma gama de atividades saudáveis”, alertam as organizações.
Membro do grupo de especialistas e consultores da OMS que avalizaram a inclusão do vício em videogames na CID, o brasileiro Daniel Spritzer, fundador e coordenador do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas, defende que o efeito é exatamente o oposto. Ao se definir um transtorno, com critérios bem definidos de diagnóstico, é possível evitar a generalização.
— O fato de existir uma classificação, com critérios bem definidos, baseada
em evidências científicas, tem como uma das principais vantagens evitar que para a maioria das pessoas é benéfico — explicou Spritzer.
Sobre a falta de consenso, Spritzer explica se tratar de praxe científica. O consenso é definitivo, então os cientistas evitam usar tal termo. Mas a maioria dos grupos de pesquisa consideram os danos provocados pelo jogo eletrônico em excesso. No documento apresentado pelo grupo da OMS, os pesquisadores e consultores identificaram mais de 60 estudos epidemiológicos em populações e subgrupos.
A prevalência da desordem varia de acordo com o gênero, faixa etária e região. Entre os estudos analisados, as taxas variaram entre 0,7% e 27,5%, sendo mais alta entre homens jovens de países asiáticos. A estimativa é que a prevalência varie entre 10% e 15% entre jovens dos países do leste e sudeste asiático. Na América do Norte e na Europa, a prevalência é estimada entre 1% e 5%.
Relatos clínicos mostram a existência de jovens que têm as vidas dominadas pelo jogo eletrônico, com dez ou mais horas diárias dedicadas à atividade. A dependência gera consequências físicas graves, como privação do sono, troca do dia pela noite, desidratação, desnutrição e tonturas. Os pacientes também demonstram irritabilidade, agressividade, depressão e outros problemas sociais, acadêmicos e profissionais.
Em 2004 foi relatada a primeira morte relacionada ao jogo eletrônico em
excesso. Um jovem sul-coreano de 24 anos morreu numa LAN house após
passar quatro dias consecutivos jogando sem parar. A autópsia indicou que a
morte foi provocada por “tempo prolongado sentado em frente ao
computador”.