03/01/2018
Notícia publicada pelo Valor Econômico
O crédito no Brasil deve apresentar neste ano a primeira expansão real desde
2014, deixando para trás um período de profunda retração. Mas a
recuperação será gradual e diretamente ligada aos segmentos que vêm
puxando a melhora recente da economia. Projeções de bancos e economistas
indicam um aumento no estoque total que, na melhor das hipóteses, irá um
pouco além de 2%, descontada a inflação - ou 6% em termos nominais.
Enquanto as operações com pessoas físicas já ensaiam uma volta à
normalidade com o aumento do consumo, o crédito bancário para empresas -
especialmente as grandes companhias - ainda caminha muito lentamente.
Mais conservador que a média do mercado, o Banco Central (BC) prevê
crescimento nominal de 3% para o estoque de crédito no país neste ano,
abaixo da variação de 3,96% no IPCA prevista no boletim Focus. A
perspectiva da autoridade monetária embute uma projeção de recuo de 2%
no volume de operações com empresas, enquanto o saldo de financiamentos
às famílias deve crescer 7%.
O mercado brasileiro de crédito fechou novembro com R$ 3,063 trilhões em
estoque, queda de 1,3% em um ano, segundo os dados mais recentes do BC. O
último ano de crescimento nominal dos financiamentos foi em 2015, mas a
inflação de 10,67% no período levou a uma queda do saldo em termos reais.
A recuperação só começou a ocorrer em 2017, mas ainda assim em um ritmo
mais lento do que o esperado, em especial do lado das empresas. "As famílias
foram ajudadas pela queda da inflação e pela redução do desemprego, com
impacto positivo no poder de compra", diz o economista João Morais, da
Tendências Consultoria.
Diante disso, os bancos têm dado mais
peso às linhas de pessoas físicas,
inclusive as diretamente atreladas ao
consumo, que ficaram em segundo plano
nos últimos anos. É o caso do
financiamento de veículos, que voltou ao
radar das instituições financeiras
recentemente.
"Quem manteve emprego está trocando de carro, comprando roupas e
móveis", afirmou o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, em
entrevista no começo de dezembro. É esse movimento que, segundo ele, vai
chegar à taxa de investimento das empresas mais adiante.
No caso do crédito à pessoa jurídica, o que os bancos veem por enquanto é
uma retomada na demanda de pequenas e médias empresas por linhas de
capital de giro e em modalidades atreladas à antecipação de recebíveis.
Castigadas pela crise ou abaladas pelos desdobramentos da Operação LavaJato,
as companhias de grande porte têm ociosidade de sobra e ainda não
precisam de um grande volume de recursos para investir. Algumas delas
também têm encontrado no mercado de capitais condições mais vantajosas
para se financiar ou reperfilar dívidas.
"Existem evidências de substituição de crédito por mercado de capitais no
caso das pessoas jurídicas", afirmou o chefe do departamento de estatísticas
do BC, Fernando Rocha, em entrevista no fim do ano passado. Somando as
duas fontes, o volume captado por empresas de janeiro a outubro cresceu
1,8%, segundo dados apresentados por ele.
A expansão do mercado de capitais e a queda no volume de crédito também
refletem outro fator: o recuo estratégico do BNDES, fonte que esteve por trás
de boa parte do financiamento às grandes companhias na última década. A
carteira do banco de fomento encolheu 12,9% no intervalo de um ano até
novembro.
Essa mudança veio para ficar. O BC prevê queda de 6% na carteira de crédito
direcionado a pessoas jurídicas em 2018. "O crédito a grandes empresas não
voltará a ser o que foi. O BNDES encolheu e o mercado de capitais vai
continuar crescendo", afirma Morais, da Tendências.
Nas operações com recursos livres, a situação do crédito a empresas já está
melhor. Nessa modalidade, as originações pararam de cair no segundo
trimestre e voltaram a crescer no terceiro quando excluídos componentes
sazonais, segundo o economista. O volume de concessões de julho a setembro
foi 1,6% maior que o apresentado nos três meses anteriores.
A expectativa nos bancos é que as operações com empresas ganhem tração à
medida que se consolidar o processo de recuperação da economia. A queda
da Selic também deve ajudar, já que reduz as despesas financeiras das
companhias, abrindo espaço para novos empréstimos. Nicola Tingas,
economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito,
Financiamento e Investimento (Acrefi), observa que as grandes empresas
ainda têm passivos para equacionar, mas a situação tende a melhorar ao
longo do ano.
Se por um lado a Selic mais baixa pode encorajar os clientes a tomar mais
empréstimos, por outro ela pressiona a rentabilidade dos bancos. Diante
disso, as instituições financeiras terão de se lançar mais no mercado de
crédito. "Em 2018, os bancos já não vão ter tanto espaço para redução de
despesas com provisões e, ao mesmo tempo, existe uma pressão generalizada
da sociedade e das autoridades pela queda dos spreads. Eles vão precisar de
volume para compensar isso", observa Morais.
A recente inclinação dos bancos para o crédito a pessoas físicas e pequenas e
médias empresas também se deve a esse cenário de Selic em declínio. As
operações com esses clientes costumam render margens mais elevadas que os
negócios com grandes empresas, que em geral trabalham com taxas pósfixadas
e acompanham mais rapidamente a queda do juro básico.
"O maior desafio para os bancos brasileiros no médio prazo é sustentar o
crescimento da carteira de crédito e, ao mesmo tempo, melhorar a
lucratividade em meio a um ambiente de taxa de juros mais baixas, com o
risco de limitar sua capacidade de geração interna de capital no longo prazo",
afirmou a Fitch Ratings em relatório a clientes na semana passada. Apesar
disso, a agência de classificação de riscos elevou de "negativa" para "estável"
a perspectiva para o setor financeiro brasileiro ao avaliar que o pior ficou
para trás em termos de inadimplência.
Para Claudio Gallina, diretor sênior de instituições financeiras da Fitch na
América Latina, os bancos passaram bem por 2017, apontado como uma
espécie de "ano de testes" para o setor. De acordo com ele, as instituições
estão líquidas e bem capitalizadas. "Com a crise, o colchão para perdas foi
reforçado. Se quisesse, o sistema como um todo teria condições de colocar
mais R$ 1,5 trilhão no mercado de crédito", diz.
Para o Goldman Sachs, 2018 será um ano de transição para os bancos
brasileiros. A volta do crédito ocorrerá em um cenário de margens sob
pressão, mas com uma melhora na qualidade dos ativos - o que significa
menos inadimplência. "O resultado final desse processo será em 2019,
quando esperamos que os bancos registrem um forte crescimento nos lucros
impulsionados por um novo ciclo de crescimento do crédito", escrevem os
analistas do banco, em relatório a clientes.
Embora as eleições presidenciais deixem questões em aberto, a expectativa,
por ora, é que não tenham grande impacto no mercado de crédito. O
principal motor do crédito será o desempenho da economia. "As condições de crescimento já estão dadas", afirmou o presidente do Bradesco.