11/05/2017 08:06
Entrevista com Luiz Marcelo Brum Rossi
Engenheiro Florestal formado pela Universidade Federal de Santa Maria (1988), Luiz Marcelo Brum Rossi, fez mestrado com Niro Higuchi em Ciências de Florestas Tropicais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (1994) e doutorado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná (2007). Atualmente é Pesquisador A e chefe-geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Ele se apaixonou pela Amazônia onde chegou no início do novo milênio. E aqui já emprestou robusta contribuição para o que considera a maior contribuição da Embrapa, desenvolver tecnologias regionais de cultivares que geram emprego e renda para as populações ribeirinhas. Confira.
1. FOLLOW-UP - A Embrapa é um dos orgulhos do Brasil por seus acertos em transformar pesquisa em desenvolvimento. A unidade da Embrapa na Amazônia Ocidental se aproxima das cinco décadas, como a Zona Franca de Manaus. Quais as grandes contribuições desta unidade para a região?
Luiz Marcelo Brum Rossi - A Embrapa atua no Amazonas desde 1974, pouco mais de quatro décadas. Ao longo desse tempo, temos desenvolvido tecnologias que contribuem para maior produção de alimentos com melhores níveis de sustentabilidade. São várias contribuições com tecnologias para os cultivos de banana, mandioca, citros, cupuaçu, dendê, seringueira, guaraná, feijão, milho, hortaliças, plantas medicinais, espécies florestais, além da pecuária e piscicultura. Por exemplo, hoje é possível para a população de Manaus contar com uma maior oferta de tambaqui e preços mais acessíveis, graças ao aumento de produtividade de tambaqui proveniente da piscicultura. Vale ressaltar que nesse fato há importante contribuição de pesquisas com piscicultura na Embrapa Amazônia Ocidental. Com as pesquisas da Embrapa se conseguiu, desde 2001, reduzir de três anos para apenas 10 meses o ciclo de produção do tambaqui em piscicultura. As pesquisas têm contribuído para aumentar a produtividade gradativamente. No início da piscicultura no estado os produtores alcançavam no máximo 1,5 tonelada por hectare ao ano (t/ha/ano) e após 2009 passou para 6 t/ha/ano. A partir de 2013 a produtividade triplicou, com a implementação do sistema intensivo de criação de tambaqui com uso de aeração diária, que permite produtividade de 18 a 22 t/ha/ano. Além disso, as pesquisas da Embrapa se voltam também para boas práticas de manejo e para aumentar a sustentabilidade da piscicultura, por exemplo com estudos voltados para melhoria da sanidade dos peixes e para a contribuição na elaboração de bioprodutos para piscicultura a partir de alternativas terapêuticas baseadas em óleos essenciais de plantas medicinais. Há ainda pesquisas com nutrição e também estudos genéticos para aumentar a produção de carne e apoiar a produção em maior escala do tambaqui.
2. FUP - Que outros itens a destacar?
LMBR - Entre vários outros exemplos de nossa área de atuação, podemos destacar conhecimentos e tecnologias resultantes das pesquisas da Embrapa, que permitem alcançar maior produtividade, sem precisar aumentar o tamanho das áreas de cultivo, evitando assim desmatamentos. Há situações em que se aumenta a produção por área em duas vezes (é o caso de cultivares de banana e mandioca), em até três vezes (cultivares de milho, feijão-caupi e cupuaçu) ou até cinco vezes (cultivares de guaraná) adotando as tecnologias recomendadas. De acordo com cada caso, a tecnologia desenvolvida pela Embrapa pode estar materializada na forma de manejo, nas orientações do sistema de produção e em cultivares que apresentam alta produtividade e resistência genética às principais doenças que ocorrem na região. No caso da cultura da banana, por exemplo, a Embrapa Amazônia Ocidental já lançou 12 cultivares resistentes às principais doenças que ocorrem na região, como sigatoka negra, sigatoka amarela e mal do panamá. Para situações em que ainda não se tem cultivares resistentes, como é o caso da banana pacovan, foi desenvolvida uma técnica que viabiliza o cultivo, com a aplicação de fungicida de forma direcionada na axila da bananeira. Antes se perdia em 100% a produção dessa banana com a doença sigatoka negra e com essa tecnologia se tem garantido um aumento de 30 % a 40% na produtividade em bananais de pacovan onde produtores adotam a técnica, no Acre e no Amazonas. Além de materiais genéticos melhorados e técnicas de manejo, há outros casos de tecnologias que são equipamentos, por exemplo recentemente lançamos o equipamento desperfilhador por rotocompressão, que apresenta maior eficiência na prática do desperfilhamento dos bananais. Entre os conhecimentos gerados pela Embrapa para o Amazonas, há vários exemplos de tecnologias que representam opção de emprego e geração de renda no interior do Estado. A Embrapa desenvolveu sistema para cultivo de espécies florestais visando substituir ou reduzir o consumo de espécies florestais nativas que são utilizadas na queima das olarias. O cultivo florestal é uma opção que geraria emprego com os plantios florestais e também evitaria desmatamentos.
Durante as últimas três décadas, a Embrapa Amazônia Ocidental vem realizando pesquisas com a cultura do dendê na região. Entre vários resultados científicos e tecnologias obtidas para apoiar a produção dessa importante oleaginosa, nossas pesquisas desenvolveram o cruzamento entre a palmeira nativa caiaué, e a palma de óleo africana (o dendê), resultando no primeiro híbrido de palma de óleo, o BRS Manicoré. Com esse cruzamento, ganhou-se em resistência ao amarelecimento fatal, mais qualidade de óleo, menor altura para colheita e melhores condições para plantio comercial. Foram desenvolvidas também outras sete cultivares de palma de óleo, que tem alta produtividade para plantio em região tropical úmida.
3. FUP - E a seringueira, nossa árvore da fortuna?
LMBR - Esta é a pesquisa é um exemplo que extrapola o alcance do Amazonas, uma tecnologia que viabiliza cultivos de seringueira para a produção de borracha natural nas condições da Amazônia. Hoje o Amazonas tem apenas produção vinda do extrativismo. Com a tecnologia de cultivo de seringueiras resistentes ao ‘mal das folhas’, desenvolvida pela Embrapa Amazônia Ocidental, seria possível aumentar a produtividade de borracha, garantir oferta dessa matéria-prima para fábricas do pólo industrial em Manaus e ainda acrescentar melhores condições de trabalho nos seringais, pois as seringueiras podem ser cultivadas próximas uma das outras reduzindo o tempo de trabalho para coleta do látex. Esses são apenas alguns exemplos das contribuições que a Embrapa dispõe em forma de tecnologias, mas há também ao longo destes anos a constante contribuição na capacitação de técnicos e produtores e na formação de recursos humanos para pesquisa. Colaboramos com programas de graduação e pós-graduação em parceria com institutos de pesquisa, universidades públicas – federal e estadual, além de universidades privadas.
4. FUP - Importamos 90% dos produtos que alimentam a população. Por que a Embrapa não tem transformado suas descobertas na agricultura em projetos e programas de cultivo regional?
LMBR - A Embrapa atua na pesquisa agropecuária, na geração de conhecimento e tecnologias. Tem sua missão direcionada a “viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira”. Ainda assim, fazemos o possível, dentro de nossas limitações, para fazer com que essas tecnologias sejam incluídas em ações governamentais de incentivo à agricultura. Fazemos projetos de transferência de tecnologia junto a produtores, assim como também apresentamos essas informações em cursos, dias de campo e diversos eventos. Entretanto, não basta ter tecnologias disponíveis para aumentar a produção de alimentos. No Amazonas, há diversos fatores que dificultam a adoção de tecnologias pelos produtores e estão fora da competência de atuação da Embrapa. Esses fatores são conhecidos tanto pelas instituições públicas quanto pela maioria dos produtores. Um deles é a necessidade de maior fortalecimento da assistência técnica e extensão rural, que faça a mediação entre a pesquisa e os agricultores. No Amazonas, a grande maioria dos agricultores não têm recursos próprios para contratar técnicos e precisam contar com o apoio da assistência técnica e extensão rural pública, que por sua vez no Amazonas ainda não tem a estrutura necessária para atender de forma suficiente e eficiente aos 62 municípios do Estado. Em algumas regiões do País, os produtores mais capitalizados se organizam em cooperativas e associações e buscam apoio técnico público ou até contratam seus próprios profissionais que buscam acessar as soluções tecnológicas e inseri-las no contexto do produtor. Há ainda outros fatores, como a dificuldade logística de acesso a insumos no Amazonas, o que representa um alto custo para um produtor do interior do Estado poder adquirir adubos, fertilizantes ou ração para piscicultura, por exemplo. Os produtores rurais também reclamam da dificuldade para obter regularização fundiária e, por sua vez, isso impede o agricultor de ter acesso ao crédito, obter licença ambiental e participar de alguns programas governamentais de incentivo à agricultura. Além dessas dificuldades gerais, há as dificuldades específicas de cada cadeia produtiva que precisam de ações não somente de pesquisa, mas também de outros segmentos envolvidos para viabilizar programas de cultivo agrícola na região.
5. FUP - Temos na Amazônia 20% do Banco genético da Terra. O que é preciso para fazer uma Bioeconomia amazônica como a Embrapa fez com o Agronegócio para gerar riquezas?
LMBR - É necessário investir em ciência e tecnologia e inovação, principalmente valorizando a investigação sobre a potencialidade da biodiversidade regional e sua aplicação em bioprodutos. A Embrapa atua em todo o País também com pesquisas voltadas para a valorização de recursos genéticos. Em vários locais do País, a Embrapa mantém Bancos Ativos de Germoplasma (BAGs) que permitem a conservação da biodiversidade e caracterização de recursos genéticos. Aqui no Amazonas também mantemos BAGs relevantes para a agricultura na região, materiais estes que poderão servir de base para o melhoramento genético ou para outros usos da pesquisa. Para gerar riquezas a partir do agronegócio, tomando como ilustração a expansão da agricultura no cerrado, também se investiu em conhecimento científico e capital intelectual para superar os desafios impostos pela natureza. Além do investimento de ciência e tecnologia pelas instituições de pesquisa é importante a participação de segmentos econômicos no processo. Da mesma forma, podemos dizer que para fazer uma bioeconomia amazônica precisamos fortalecer as instituições de pesquisa mas precisamos da parceria do setor privado, que tenha interesse em trabalhar como novas áreas voltadas para uso da biodiversidade, não apenas no ramo de fármacos e cosméticos, mas também vislumbrando novas áreas a partir das pesquisas com genes e moléculas.
6. FUP - Você foi um dos primeiros signatários da fundação da ABITA, a associação de Bioeconomia e Inovação Tecnológica da Amazônia. Que propostas você sugere para esta entidade estimular bioempreendedores na região?
LMBR - Como propostas, podemos sugerir que sejam viabilizadas estratégias de atração de investimentos para bioeconomia na região. Assim como, por meio da Zona Franca de Manaus, existem incentivos para vários segmentos da indústria, o Governo poderia promover incentivos para a formação de um pólo de bioindústrias e fomentar a atração de investimentos nacionais e internacionais para a região. Para isso podem ser promovidos eventos na área de bioeconomia que despertem o interesse tanto de empreendedores locais quanto de outras regiões, assim como podem ser estimuladas oportunidades para estabelecer parcerias entre as instituições de pesquisa e inovação e empresas privadas interessadas em investir nesse segmento.
7. FUP - As instituições federais na Amazônia não estão articuladas num projeto comum. Como fazer para otimizar os recursos envolvidos numa cultura interinstitucional e integrada para transformar as potencialidades em desenvolvimento inegligente e sustentável?
LMBR - É importante fortalecer as parcerias interinstitucionais, não só entre os níveis federal, estadual e municipal das instituições públicas, mas também fortalecer as parcerias público-privadas, tendo objetivos voltados para o desenvolvimento e valorização das potencialidades da região. A articulação entre as instituições pode se dar por meio de fóruns temáticos, para resolver questões envolvam as cadeias produtivas. Poderíamos ter um pool de instituições atuando de forma articulada em torno de objetivos comuns. É importante que esses fóruns sejam efetivos, tenham representatividade e influências nas decisões. Outro aspecto, é necessário fomentar a integração não apenas no encaminhamento de propostas para a gestão das questões em comum, mas também nas áreas de atuação para pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) para estimular a colaboração e complementaridade de atuação e evitar a sobreposição de esforços.
==================================================================
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. cieam@cieam.com.br