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Após 30 anos, sistema tributário exige mudanças para ajudar país a crescer

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29/03/2018

Reportagem publicada pelo site do Senado Federal

Poucas Constituições no mundo são tão extensas quanto a brasileira: quase 65 mil palavras. Ela só perde para a da Índia e a da Nigéria, segundo estudo comparativo realizado em 2009 pela Universidade de Cambridge, Inglaterra. Se esse detalhamento pode ser explicado pela insegurança da sociedade brasileira, que em 1988 recém saíra da ditadura militar, o desejo dos constituintes de sacramentar o que podiam na Lei Maior resultou, segundo muitos analistas, em amarras e distorções. Algumas delas são apontadas por esses estudiosos como responsáveis por atravancar o crescimento do país até hoje.

Um exemplo de distorção comumente citado é o sistema tributário nacional, inscrito principalmente nos títulos VI, da Tributação e do Orçamento, e o VII, da Ordem Econômica e Financeira. O mínimo que se diz sobre as regras tributárias é que compõem um sistema “obsoleto”.

A avaliação mais recente sobre a sua funcionalidade, feita por um grupo de trabalho da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), em outubro, fala de sua obsolecência e classifica-o como “complexo, regressivo, anticompetitivo, antiemprego, responsável por desequilíbrios federativos”. Desde 2003, a Emenda Constitucional 42 incluiu entre as competências do Senado a de avaliar periodicamente não só se o sistema é funcional, mas também a quantas anda o desempenho das administrações tributárias da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.

Resultado ruim

Baseada em um relatório do Banco Mundial do ano passado, a CAE ressalta que o Brasil é considerado o campeão mundial nos custos de compliance, aqueles que as empresas são obrigadas a bancar para atender as exigências da legislação tributária. Os empresários brasileiros gastam 2.038 horas por ano para atender o cipoal tributário em que se transformou o sistema nacional.

Os mais próximos de enfrentar os mesmos entraves são os sistemas da Bolívia, onde as empresas gastam 1.025 horas com mesmo fim, e da Venezuela, que compromete 792 horas das empresas. O Paraguai, que tem atraído muitas companhias brasileiras, exige apenas 378 horas por ano no cumprimento de exigências tributárias.

Além da complexidade e do excesso de normas, o Brasil também é conhecido internacionalmente por ostentar uma carga tributária pesada em comparação com economias semelhantes. Dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostram que esse peso para os brasileiros correspondia a 33,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014. Enquanto os mexicanos arcavam com apenas 19,5% e os chilenos, cuja economia é considerada a mais ajustada da América do Sul, contribuíam com 19,8% do seu PIB.

Um problema adicional é a distribuição da carga. Como a incidência maior é sobre o consumo de bens e serviços, os brasileiros de menor renda arcam com o peso maior dos tributos indiretos. O principal deles é o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), estadual. Enquanto isso, os brasileiros de maior renda sentem menos o peso dessa tributação indireta. Isso no jargão tributário é chamado de regressividade.

Com base em um estudo premiado pelo Tesouro Nacional, o coordenador do grupo de trabalho da CAE, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), ressalta que a faixa mais pobre da população paga duas vezes mais tributos do que as mais ricas, na proporção com a renda de cada faixa.

Pendências

Outro efeito do texto constitucional foi acabar exigindo constantes manifestações do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade das leis tributárias. Levantamento da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados mostrou que, até o início de fevereiro deste ano, 11,51% dos processos em tramitação no STF estavam relacionados a direito tributário, só atrás dos pleitos sobre matéria administrativa (37,6%) e direito penal (12,52%). Dos 56 enunciados da Súmula Vinculante, 23,2% são de direito tributário.

O montante em discussão no STF atinge cerca de R$ 600 bilhões, incluindo tributos previdenciários, segundo o Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2018. Mas a estimativa do contencioso tributário nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal) é muito maior.

Segundo o relatório da CAE, esse contencioso alcançava R$ 4,08 trilhões em 2016, correspondendo a 66% do PIB brasileiro. O excesso de litígios, acrescenta o texto, envolvendo principalmente empresas e o fisco, causa uma insegurança jurídica que desestimula os investimentos.

Além disso, no caso do Supremo, leva a mudanças constitucionais caso a caso e nem sempre eficazes, sobrecarregando ainda mais a Carta de 1988. O especialista em direito tributário e tributação da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, Jules Michelet Pereira Queiroz e Silva, diz que o Congresso faz alterações pontuais e derivadas de reações a decisões do Supremo.

No estudo que desenvolveu com outro consultor da Câmara, José Araújo, sobre os 30 anos do sistema tributário nacional pós 1988, Silva lembra que a ampla competência do STF em matéria tributária levou por diversas vezes a uma rota de colisão com a política fiscal do governo. O Congresso teve de agir para mudar a Constituição e leis, como forma de superar ou contornar entendimentos da Suprema Corte, diz ele.

Um dos exemplos citados no estudo foi o da instituição, por muitos municípios, de taxas para arcar com as despesas com a iluminação pública. O Supremo entendeu que essa remuneração não poderia ser feita por meio de taxa e, sim, mediante cobrança de imposto, conforme enunciado 41 da Súmula Vinculante do STF.

Para suprir a deficiência provocada nos cofres municipais, o Congresso mudou a Constituição, com a Emenda 39 de 2002, criando uma nova modalidade de contribuição, a Cosip, destinada ao serviço de iluminação pública. Em julgamento posterior, o STF reconheceu a constitucionalidade da nova contribuição.

Omissões

A Constituição também apresenta brechas sobre assuntos importantes. Uma das omissões está no relacionamento entre os entes da Federação.

— Essa questão ficou solta e os conflitos geram judicialização constante — diz um dos especialistas do Senado em federalismo, o consultor Carlos Alexandre Amorim Rocha.

Não foi previsto, por exemplo, um fórum onde todos os estados tivessem assento para resolver suas pendências e conflitos distributivos. O que existe é o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que só trata das questões relativas ao ICMS.

— É um arranjo capenga, que só funciona pelo interesse dos estados, de um deles questionar o imposto do outro. E nem está previsto na Constituição — explica Rocha, que defende a constitucionalização de um fórum federativo.

O consultor lembra que há uma série de outros assuntos importantes no relacionamento entre os estados que vai muito além do ICMS. Por exemplo, os demonstrativos contábeis e financeiros não são harmonizados. Com isso, na prestação de contas dos estados, cada tribunal de contas interpreta a sua maneira. Também não existe entendimento comum sobre se o imposto de renda na fonte dos servidores entra ou não no cálculo do limite de gastos com o funcionalismo estadual. Ou se as aposentadorias do Judiciário estadual entram ou não no cálculo do limite de gastos por Poder do estado.

— Questões como essas têm gerado contencioso judicial e discussão com a União e com o STF, porque, se o estado não cumpre o limite de gastos, não consegue receber aval da União para empréstimos — lembra o consultor.

Rocha sugere que o Brasil adote o modelo canadense, que é referência mundial, pelo qual se avalia a necessidade do ente da Federação diante das suas demandas. Para fazer a transferência de recursos entre as províncias, olham-se as necessidades de cada província, há critérios para suplementar os recursos e harmonia nas demonstrações contábeis e financeiras.

Mudanças da Carta não alteraram estrutura tributária

As modificações introduzidas pelos constituintes não alteraram a estrutura tributária construída pelos militares em 1965. A avaliação da CAE ressalta que o sistema continuou fazendo uso dos alicerces de uma economia de mais de 50 anos atrás, de industrialização tardia e ainda fechada. O referencial, acrescenta o relatório, continua a ser a indústria de transformação, que na época era cerca de um terço do PIB brasileiro, enquanto hoje corresponde a menos de 12%.

De fato, os constituintes não conseguiram substituir o ICMS, o mais relevante sobre o consumo, pelo imposto sobre valor adicionado (IVA), adotado há anos pelas economias mais desenvolvidas. Esse novo imposto é questão central das reformas tributárias debatidas no Congresso após a Constituição de 1988, sem sucesso até hoje.

A proposta do IVA enfrentou forte rejeição, especialmente dos estados do Norte e do Nordeste, tanto na Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas, relatada pelo então deputado e atual senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), quanto na Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças, cujo relator foi o então deputado e atual senador José Serra (PSDB-SP).

Em 1987, durante a Assembleia Nacional Constituinte, o interesse maior era reduzir a participação da União no bolo tributário em favor dos estados e dos municípios. A organização entre os parlamentares era mais regional, com Norte, Nordeste e Centro-Oeste de um lado e Sul e Sudeste de outro, do que em função de partidos e ideologias. E o grande ausente nessa etapa dos trabalhos foi a União.

Essa omissão permitiu que os constituintes resolvessem os principais conflitos distributivos entre as regiões com a retirada de recursos federais. O anteprojeto da Comissão previu a diminuição das competências tributárias da União, o aumento das dos estados e dos municípios, e incrementou os repasses do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda para os fundos constitucionais.

Contribuições

Foi apenas na Comissão de Sistematização que a participação intensa dos representantes da União conseguiu reverter parte das perdas. E um dos legados mais criticados até hoje foi a distorção do sistema tributário provocada por tributos cumulativos e não partilhados com os estados e os municípios. É o caso de contribuições instituídas na Carta, como a Cide, que recai principalmente sobre os combustíveis, e a Cofins, cobrada do empregador para financiar a Seguridade Social, além da posterior Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), criada pela Lei 7.689 de 1988.

O estudo da Consultoria Legislativa da Câmara lembra que, apesar dos fortes apelos do presidente José Sarney na época e ameaças de cortar fortemente os gastos sociais, muito pouco pode ser feito para alterar os acordos na área tributária, nem mesmo no Plenário.

No final, o novo texto constitucional reduziu as competências da União de 13 para oito impostos (importação, exportação, renda, produtos industrializados, operações financeiras, propriedade rural, grandes fortunas e competência residual). Os estados conseguiram fortalecer o então ICM com os antigos impostos únicos sobre energia elétrica, transportes, combustíveis, minerais e comunicações, transformado em ICMS, com bastante liberdade na fixação de suas alíquotas.

Também mantiveram o imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA) e ganharam o imposto sobre heranças e doações (ITCMD). Os municípios continuaram com os impostos sobre serviços e sobre a propriedade urbana e ganharam os impostos sobre transmissão de propriedades imobiliárias. Dois tributos assegurados no texto original acabaram extintos em 1993, pela Emenda Constitucional nº 3: o adicional de até 5% do imposto de renda que ia para os estados e o imposto municipal sobre as vendas a varejo de combustíveis.

Além disso, houve um forte aumento dos repasses do IR e do IPI para os fundos constitucionais, como FPE e FPM. Os municípios também conquistaram um

aumento do repasse do ICMS recolhido pelos estados, de 20% para 25%. E a União, além das contribuições, manteve a cobrança do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep), que foram alimentar o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), assegurado na Constituição por emenda de José Serra, e destinado a financiar o programa do seguro-desemprego e o abono salarial.

Nova economia

A avaliação da CAE é que o sistema tributário nacional caminha a passos largos para a obsolescência e é preciso repensá-lo. A incidência tributária sobre o setor de serviços, o que mais avança na composição do PIB, é menor do que no industrial. A média em 2013 dos 20 subsetores mais tributados em proporção a receita, com percentuais acima de 20%, incluía 15 tipicamente industriais, como fabricação de móveis (27%), bebidas, produtos de borracha e material plástico (26,8%).

Enquanto isso, os 20 subsetores de menor incidência tributária, a maioria do setor de serviços, variavam de 2,3% (seguros, resseguros, previdência complementar e planos de saúde) a 9,7% (agências de viagem, operadores turísticos e serviços de reserva).

Outro aspecto importante é que negócios digitais como Netflix, Uber, Spotify e Airbnb são pouco ou nada tributados. São atividades “sem circulação de mercadorias” e que evadem a própria classificação como “serviço”, diz o relatório da CAE. E há ainda questões complexas que precisam ser resolvidas, como tributar atividades de pesquisa e desenvolvimento, propriedade intelectual, exploração da imagem pessoal, espectro eletromagnético, software e bens virtuais, entre outras.

Além de um novo modelo, que redistribua o ônus tributário incorporando as atividades da chamada nova economia, a CAE sugere o caminho inverso do adotado pelos constituintes de 1987. No lugar de deixar o sistema tributário no texto constitucional, ele passaria para uma legislação infraconstitucional.

Ou seja, qualquer mudança seria muito fácil e simples. “Uma boa estratégia em tempos onde será preciso ser rápido e moderno para enfrentar as novas decisões”, aconselha a CAE.

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