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Mitos e verdades sobre a Zona Franca de Manaus: uma homenagem ao Celso Piacentini

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07/10/2020 18:35

Reunião final de preparação para o evento “Reforma Tributária e seus Impactos na Zona Franca de Manaus” com participação de especialistas renomados na área tributária de todo o Brasil. (Ago/19)

Fonte: Brasil Amazônia Agora

Por Márcio Holland

Professor na Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas, FGV EESP, onde Coordena o Programa de Pós-Graduação em Finanças e Economia.

Não vi outra forma de homenagear um amigo que não fosse correr para o computador e escrever sobre o que ele mais defendia em sua vida pública. Como diretor de grandes empresas e na linha de frente de entidades de classe como a CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas) Celso emprestava seu talento profissional para explicar por que o Polo Industrial de Manaus (PIM) faz bem ao país. Contrariando a visão tradicional “Sulista”, para ele o PIM era um modelo importante de interiorização da atividade industrial em um país altamente desigual.

Há muitos mitos em torno da Zona Franca de Manaus (ZFM). Primeiro, de que o programa custa muito caro. Para isso, são usados dados de gasto tributário da Receita Federal do Brasil, onde a ZFM supostamente gasta R$25 bilhões em renúncia fiscal por ano. Trata-se de um dado altamente questionável, gerado por uma metodologia muito limitada, e que mais atrapalha que ajuda nossas avaliações de custos de políticas públicas.

Na verdade, a ZFM é geradora de receitas tributárias. Anualmente, a União recebe do Estado do Amazonas mais de R$18,7 bilhões; não fosse a ZFM e todo o efeito multiplicador de renda e emprego do programa, as transferências tributárias para a União estaria mais próxima do padrão do estado do Pará, em algo em torno de R$11 bilhões anuais. O estado do Amazonas tem de receita tributária com a “Indústria” outros R$4,7 bilhões anuais. Praticamente tudo isso é gerado a partir do PIM.

Outros R$1,6 bilhões saíram dos cobres das empresas incentivadas diretamente para os cofres do estado, através da Lei no. 2826/2003, para os chamados FTI (Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas), FMPES (Fundo de Fomento às Micro e Pequenas Empresas), e a UEA (Universidade Estadual do Amazonas). Ainda tem outros quase R$1,0 bilhão de recursos como contrapartida em investimentos em P&D, que em parte voltam para a UEA.

Ou seja, é mito que a ZFM custa caro ao país; é verdade que a ZFM é geradora de receitas para União, Estado e Municípios do estado do Amazonas.

Celso não ficou nem um pouco surpreso com os dados da qualificação educacional dos trabalhadores nas indústrias do PIM, que apresentei certa vez, como se fosse uma grande novidade. Em minhas pesquisas sobre o programa, descobri, em meio aos inúmeros dados produzidos pelo IBGE algo nada inédito para ele. O nível de escolaridade na indústria de transformação do PIM é muito superior à média nacional. De acordo com o IBGE, 12,9% dos trabalhadores ocupados na indústria de transformação do estado do Amazonas possuem ensino superior completo contra média nacional de 7,9%. A participação de trabalhadores com ensino médio completo no total empregado da indústria amazonense é ainda mais surpreendente, 73,2% contra 52,7% de média nacional.

Ou seja, é mito que o PIM não seja baseado em mão de obra qualificada. É verdade, como me alertou Celso, que as indústrias do PIM promovem, elas próprias, intensos programas de qualificação profissional ou incentivos diversos aos estudos de seus trabalhadores.

O Brasil não é mesmo para amadores. Muitas críticas contra o programa ZFM emergiram muito facilmente sem fundamentação. Buscar e apresentar as provas contra as inverdades dão mais trabalhos do que críticas aos ventos e envolve enfrentar preconceitos e discursos prontos. Desde meu primeiro dia em Manaus, em uma visita técnica ao Celso, na empresa que ele dirigia, não me faltaram argumentos de que os estudos de uma equipe de pesquisadores independentes que eu coordenava levariam a desvendar as verdades.

Não passou despercebido que, sem o PIM, a renda per capta média de Manaus, e mesmo de todo o Estado do Amazonas, seria a metade. Muito provavelmente aqueles 500 mil empregos diretos, indiretos e induzidos, gerados pelo programa, não existiram. Nenhuma outra atividade seria capaz de tanto.

Imagine o desmonte de todo esse parque industrial e migração de toda essa população ou para outros estados, ou floresta adentro para desmatar. Em tempos de fragilidade economia, de dificuldade de geração de emprego e de desafios climáticos, não resta dúvida da irresponsabilidade daqueles que defendem a extinção da ZFM.

Claro, Celso também sabia que era preciso mudar o modelo ZFM. E isso não é novidade para nenhum empresário que atua na região; nem para suas entidades de classe. Mas, como mudar? O que mudar? Celso tinha ideias importantes para isso. Atuamos em conjunto para pensarmos em como promover a bioeconomia, a biotecnologia e a sociobiodiversidade a partir do PIM, em como diversificar o próprio PIM.

Mais uma vez, é mito achar que empresários e lideranças como a do Celso estavam acomodados na sua zona de conforto e defendendo a perpetuação do modelo atual. Celso queria mudanças em prol de mais desenvolvimento para a região Norte.

Os mitos chegam na agenda de reforma tributária. Nenhum empresário, e o Celso era um deles, coadunam com o caótico sistema tributário brasileiro. Celso, com um especialista de alto nível em tributação da ZFM, desejava também simplificações tributárias, redução de litigiosidade, redução de incertezas jurídicas que comprometem os investimentos e a criação de empregos etc. A verdade é que todo empresário defende a reforma do sistema tributário brasileiro. Celso não era exceção à regra. Mas, a reforma não poderia ser geradora de mais incertas.

Celso deixa saudades. Seus conhecimentos estarão permanentemente presentes entre todos nós. Ele me ensinou muito sobre o programa ZFM. E tenho certeza de que seus conhecimentos e sua defesa do desenvolvimento sustentado do estado do Amazonas seguirão com todos nós. Saudades, amigo.

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