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“Amazônia: chegou a hora da Bioeconomia”, diz Everton Cordeiro, chefe-geral da Embrapa Amazonas

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19/11/2020 11:39

Fonte:Brasil Amazônia Agora

Há muito entusiasmo na fala de Éverton Rabelo Cordeiro, novo chefe-geral da Embrapa Amazônia Ocidental, um cearense de nascimento, como aqueles 500 mil que para cá vieram, no final do século XIX, “fazer a Amazônia” e aqui deixaram seu DNA, presente na cultura e visão de mundo da absoluta maioria de nossa gente. “A Bioeconomia está atrasada na Amazônia há mais de um século, mas, felizmente chegou sua hora”, diz o pesquisador que é bisneto de seringueiro e, como pesquisador da Embrapa, veio para a Amazônia para resgatar a seringueira, ou seja, combater o Microcyclus ulei, o famigerado fungo do Mal das Folhas, que fez Henry Ford perder US$ 2 bi, investidos no plantio extensivo fracassado de seringueiras na floresta. Gentilmente, ele recebeu a Follow-up para contar os planos da Embrapa Amazônia Ocidental.

Alfredo Lopes

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FOLLOW Up – No item 5 das prioridades, do novo Plano Diretor 20/30 da Embrapa nacional, lemos o seguinte: “Desenvolver tecnologias e conhecimentos que contribuam para a Bioeconomia por meio da utilização de recursos de base biológica para a geração de bioprodutos, bioinsumos e energia renovável”. Na prática, o que deverá fazer a unidade da Embrapa do Amazonas para cumprir este plano?

Éverton Rabelo Cordeiro – A Embrapa Amazônia Ocidental vai aprofundar a identificação de novas espécies, novos produtos e novos processos de produção decorrentes dessa imensa riqueza que nos circunda e nos fascina. O olhar estrangeiros esta cada vez mais deslumbrado e ávido por nossa potencialidade. É importante que o povo brasileiro se familiarize com este novo momento e se importe em conhecer que temos em nossos rios, solos e matas. Novos produtos vão surgir, tanto para controle de pragas e doenças relacionadas com a agricultura e pecuária, como também para o tratamento de resíduos das indústrias, de nossas casas, e mesmo dos hospitais. Vamos ampliar nossa capacidade de curar doenças, mazelas que acometem os seres humanos, provocadas por microorganismos presentes em nossos rios a partir de sedimentos colhidos de seus leitos.

Nossas plantas contém princípios ativos para o controle de vermes e demais doenças que comprometem a piscicultura. Podemos melhorar a forma de cultivo dessas espécies, pela identificação de suas variedades para novos usos, com melhoramento genético delas e cultivo extensivo combinado com outras espécies que vão disponibilizar mais fontes de renda para nossos produtores e a manutenção da diversidade ambiental, sem quebrar o equilíbrio existente e sem introduzir insumos externos à região nessa produção, ou fazê-los minimamente, quando necessário. Aliás, isso já acontece com a aproveitamento das cadeias da borracha, do dendê e da mandioca, aqui respectivamente demandadas nas indústrias instaladas em no polo industrial, como fábrica de pneus, óleo vegetal para filmes e lubrificantes, e o uso da fécula nas indústrias de vários produtos, incluindo medicamentos. Essa sintonia fina com a indústria só vai crescer…

Corte de seringueira – foto: Embrapa Amazônia Ocidental

Fup – A domesticação da castanha-do-Brasil no Amazonas contou com o apoio técnico e tecnológico da Embrapa Amazônia Ocidental e Oriental. Como transformar esse protocolo numa rotina para domesticação de outras espécies e assim consolidar a Silvicultura como opção regional de novos negócios da Bioeconomia?

ERC – O segredo é simples: manter o foco na pesquisa e sua adoção por quem dela demanda. Tal qual mencionado com a castanha foi o que ocorreu com a seringueira. Uma espécie essencialmente amazônica que, em menos de 150 anos, foi domesticada pelo homem e espalhada para todo o mundo e cada vez mais indispensável para a vida do homem moderno. No começo do século passado, a produção mundial de borracha não chegava a 100 mil toneladas/ano, hoje se produz mais de 13 milhões de toneladas/ano e a expectativa de consumo não para de crescer. No caso da castanha-do-Brasil, ainda é uma espécie que não foi suficientemente espalhada pelo mundo, embora a domesticação no Amazonas já esteja consolidada. Mas há tantas outras que ainda demandam interesse e continuarão a demandar, como o caso do pau rosa, matéria prima para a indústria de perfumes, milhares de árvores e palmeiras usadas na indústria de cosméticos e de alimentação humana.

Para que essas plantas possam ser utilizadas como fonte de renda significativa na Amazônia, além da pesquisa, se faz necessário o investimento na valorização e preservação dos habitantes que aqui vivem. Por isso, o produto natural tem que ser valorizado, com substancial investimento na qualidade de vida das pessoas e de seus familiares. A opção do êxodo de um filho deva ser por percepção de querer uma outra atividade profissional, e não porque o que é produzido não atenda a necessidade de todos. Essa sinergia, entre a pesquisa e quem dela utiliza, o que é melhor ser produzido, precisa ser cada vez mais internalizada para que a Bioeconomia deixe de ser mais uma nova palavra, e sim uma oportunidade de produção e de sustentabilidade.

Fup – Muitas das soluções e conquistas da EAO propiciaram modulações econômicas como óleo de palma, o super guaraná, o combate ao fungo do cupuaçu, da banana e da castanha-do-Brasil. Não lhe parece tímido este portfólio de produtos que ganharam mercados depois de 46 anos? O Amazonas ainda não descobriu a Embrapa?

ERC – Apesar desses 46 anos de existência, temos de reconhecer que o foco da economia do Amazonas esteve, neste período, centrado no Polo Industrial de Manaus, e isso fez com o que o Amazonas não tivesse tanto interesse em descobrir a Embrapa. Interessante é que nesses dois últimos anos parece que todos no Amazonas querem a parceria com a Embrapa. Isso nos deixa muito honrados, pois esses e muitos outros produtos estão sendo adotados por regiões no Brasil e a nascente dessa tecnologia é daqui. Hoje temos de otimizar e esticar o uso de nossas agendas, para atender as demandas que têm surgido. Muitas vezes temos a solução, outras não. Quando temos a solução para o que é demandado é fácil fazer chegar a tecnologia ao local que nos solicita. Quando não temos a solução, buscamos primeiro os contatos mais próximos a nós, ou mesmo fora daqui para, em parceria, achar a saída. Assim, a pesquisa toma vulto e vai ser a solução para o problemas de toda ordem. Nosso portfólio, entretanto, é maior, com soluções tecnológicas para aeração de nossos tanques de criação de peixes, que duplicam essa produtividade, com a simples utilização de um equipamento. pesquisa em execução hoje por uma colega pesquisadora, assim que finalizada, trará a oportunidade de aumentar em 30 % a produtividade de tambaqui, pela simples presença de uma maior quantidade de Uma fêmeas na criação, por ganharem naturalmente mais peso e mais rapidamente que os machos. Há o trabalho feito com nossa equipe de manejo florestal que ao identificar espécies florestais com maior potencial calorífero podem diminuir sensivelmente a quantidade de madeira para geração de calor onde se demanda essa fonte de energia. Mas, além disso há muitos outros produtos e tudo isso está disponível na página da Embrapa na Internet que, mesmo sabendo da dificuldade de acesso em muitos de nossos locais da Amazônia, está cada vez mais fácil de se acessar.

foto: Embrapa Amazônia Ocidental

Fup – Na busca de estabelecer novas modulações econômicas, o setor produtivo da ZFM, representado por CIEAM/FIEAM, sugeriu a fusão do CBA, Centro de Biotecnologia da Amazônia e Embrapa Amazônia Ocidental. Que benefícios e avanços essa mistura institucional poderia oferecer à sociedade?

ERC – Ouso dizer que esses benefícios ainda são inimagináveis e incontáveis. Podemos citar desde a identificação de novas moléculas e princípios ativos a partir de nossa biodiversidade, até novos produtos e usos, pela identificação e uso sustentável de nossa fauna, flora, de recursos ainda desconhecidos em nossos rios, lagos e solos. Nossas espécies vegetais continuam a surpreender a humanidade, vejamos o exemplo do açaí, de como o mundo todo demanda dessa fruta oriunda de nossas florestas que, além de saborosa e nutriente, é uma importante fonte de energia alimentar. Temos outras tantas já consumidas, mas ainda não descobertas pela humanidade, ou mesmo pela comunidade científica e que fazem parte da alimentação, do embelezamento e mesmo do tratamento para moléstias e que precisam de mais pesquisas para ser incorporadas ao hábito de consumo da humanidade.

Outro importante benefício e muito estratégico para nossa soberania nacional e relevância mundial é o da conservação de nossa diversidade genética e valorização dela. Um aspecto alvissareiro atual do trabalho de cooperação entre CBA e da Embrapa Amazônia Ocidental que ocorreu recentemente. Com ou sem fusão, apenas pensando na relevância de interação destas duas importantes instituições, um projeto de pesquisa com novas estirpes de solos amazônicos foi submetido pelo último Edital interno da Embrapa, contando com a participação de um grupo de pesquisadores do CBA. Nada mais correto e racional a fazer, já que a possibilidade de colaboração é essencial em qualquer pesquisa, sobretudo em um momento de poucos recursos disponíveis. No que depender da Embrapa, nossa equipe, esse será o primeiro de tantos outros projetos que procuraremos fazer com o CBA e demais instituições de pesquisa na Amazônia.

foto: Embrapa

Fup – Ainda sobre o Plano Diretor 20/30 da Embrapa nacional, que instrumentos, recursos e premissas são necessários para implantar essa nova matriz econômica chamada Bioeconomia?

ERC – Focando a realidade amazônica, o tema da Bioeconomia, apesar da nova roupagem, chega com 120 anos de atraso. Tivéssemos feito a Bioeconomia da borracha seria outra nossa História. Ainda bem que essa nova consciência já está presente na mentalidade de nossos produtores e empresários, sobretudo pela percepção que nós temos em torno da marca Amazônia e o que ela representa para o mundo. Precisamos, pois, acreditar na Bioeconomia e melhorar seu uso; investir em mais recursos voltados para pesquisa destes temas e produtos amazônicos; investir na formação de recursos humanos e tecnológicos; melhorar nossa infraestrutura, sobretudo a do aproveitamento e melhoria da eficiência energética, conservação e sua distribuição; e disponibilizar o uso e o acesso da informação. Acreditamos que estamos num momento de ressignificação de planos e metas. Temos mais uma vez a oportunidade de dar a Amazônia e seu povo o mesmo destaque que a fez ser conhecida em todo o mundo. A quantidade de produtos e oportunidades estão aí disponíveis. Há instituições sólidas e com credibilidade suficiente para honrar esse desafio, a Embrapa Amazônia Ocidental é mais uma delas e está à disposição de nossa sociedade para mais este desafio.

Éverton Rabelo Cordeiro possui graduação em Agronomia, mestrado e doutorado em Fitotecnia pela Universidade Federal do Ceará. Atualmente é pesquisador A e chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Amazônia Ocidental. Tem experiência em melhoramento genético e fitotecnia de culturas perenes, onde destacam-se a seringueira, caju e acerola. A sua pesquisa é desenvolvida utilizando clonagem de genótipos superiores em termos de produtividade. Colabora em projetos internacionais com a Universidade Justus-Liebig Giessen da Alemanha e o Instituto Riken do Japão. Participa do programa de pós-graduação da Agricultura do Trópico Úmido onde é responsável pela disciplina de culturas agroindustriais e orientação de alunos de mestrado. Coordena o comitê de bolsistas e estagiários da Embrapa Amazônia Ocidental.

Veja o currículo Lattes aqui

Quem é Éverton Rabelo Cordeiro, por ele mesmo?

Everton é mais um retirante cearense que migrou para o Amazonas com sua esposa e filhos, para aqui obter seu sustento. Tal qual fez seu bisavô em 1899. Como seu bisavô, quis o destino que também fosse a seringueira o foco do seu trabalho, já que quando aqui chegou, recém concursado pela Embrapa em 2010 veio dar continuidade aos trabalhos desenvolvidos por seus colegas antecessores, no caso evoco o nome do Dr. Vicente de Moraes, que com genialidade e persistência formou os materiais de seringueira resistente ao mal das folhas. Nesses 10 anos de imersão no Amazonas, nos seus rios, florestas e seringais se deslumbrou, como tantos outros, com a beleza e a riqueza que a Amazônia oferece. Agora me deparo com mais um desafio, o de chefiar a Unidade da Embrapa aqui no Amazonas, para tanto conto com o apoio de uma Equipe local de 203 colegas que aqui trabalham com entusiasmo e compromisso para melhorar a vida de quem aqui vive, com o cuidado de cuidar dos recursos que temos hoje e de que como eles serão fundamentais para os povos que virão depois de nós.

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