18/02/2019
por Gina Moraes publicado pelo Amazonas Atual
Ao andar pelas ruas de Manaus, chega-se à conclusão de que
estamos diante de uma cidade abandonada em todas as suas
áreas, de Norte a Sul. O Centro, com sua arquitetura da “Belle
Époque” do tempo áureo da borracha, está completamente
esquecido: construções depredadas, que servem para
acumular lixo e abrigar moradores de rua e consumidores de
droga. Vejamos o caso da Santa Casa de Misericórdia: o prédio
está em ruínas, com risco de desabamento, e nada,
absolutamente nada foi feito para solucionar o problema. Em
julho de 2016, a Justiça determinou que o Município
restaurasse o prédio e fornecesse a segurança adequada ao
local. Decisão completamente ignorada pelo Ente Municipal.
A cidade está à beira de um colapso, o que gera prejuízo
moral, social e histórico para todos os cidadãos.
O prédio que abrigava a Defensoria Pública do Estado não tem
melhor sorte: Lá está ele para lembrar, diariamente, a nossa
incompetência em cuidar do nosso Patrimônio. Na Europa,
os centros históricos das cidades são preservados, restaurados
e tornaram-se fonte de riqueza por impulsionar o turismo,
cujo desenvolvimento aqui é incipiente e caminha a passos
lentos.
Se o Centro Histórico de Manaus, que deveria ser o cartão de
visita da Cidade, salvo raras iniciativas desenvolvidas pelo
Governo Estadual no entorno da praça São Sebastião, está em
ruínas, imagine o resto, como também, a manutenção das vias
do Distrito Industrial de Manaus. Esse quadro da cidade é,
hoje o nosso cartão da vergonha, um Polo Industrial
completamente “jogado às traças” pelas autoridades, se é que
podemos chamar aquelas ruas de vias.
Podemos, ainda, citar o elevado número de invasões que
assolam a “menina dos olhos” e que, em alguns casos,
poderes obscuros transformam o ilícito em lícito.
Em sua tese de doutorado, sobre a gura mítica de Nunes
Pereira, o Labirinto do Saber, a historiadora Selda Vale
descreve a paisagem urbana de Manaus na década de 1930:
“Tanta placidez e tranquilidade chegam a criar a ilusão, muito
difundida, de que, em Manaus não existiriam classes sociais,
ou melhor, haveria apenas uma grande, imensa e única classe,
a classe média. Fome e miséria eram-lhe completamente
desconhecidas”.
Menos de um século depois, a classe média continua a ocupar
o bloco urbano histórico que lhe restou e é cercada pelo
cinturão dos esquecidos, com taxas preocupantes de
desemprego e seu sucedâneo imediato, a violência. Eles
vieram de toda parte, foram atraídos pela (des) ilusão do
Fausto da ZFM. A economia explodiu e recolheu bilhões para
o desenvolvimento socioeconômico. A gestão pública desviou
para algum lugar a dinheirama do cidadão. O discurso político
virou propaganda enganosa de empregos em profusão. Em seu
lugar de origem, a atividade econômica dos jovens e adultos é
praticamente zero e a de subsistência circunscreve-se aos
parcos recursos das prefeituras municipais, muitas delas com
gestores encrencados em ilícitos e com incapacidade de
prestar contas nos padrões intrincados da burocracia. O que
ocorreu em Manaus para retroceder na direção do atraso e da
exclusão social? Por que olhamos essa paisagem caótica como
se não nos coubesse essa atrocidade social?
Apesar do isolamento em geral que se vivia, rodeada por
zonas agrícolas e de pecuária, Manaus, na primeira metade do
século XX era bem servida em estabelecimentos de ensino,
entidades culturais e esportivas e Órgãos de imprensa.
Contava com algumas faculdades remanescentes da antiga
Universidade Livre de Manaus: Agronomia, Ciências Jurídicas
e Sociais, Farmácia e Odontologia, além da Escola de
Comércio “Sólon de Lucena” (da Prefeitura), dois Ginásios (o
Amazonense, público e diurno, e o Duque de Caxias, particular, noturno; dois Educandários, Colégio D. Bosco e
Nossa Senhora Auxiliadora, com cursos ginasiais e
comerciais; a Escola Normal do Estado e os Colégios S.
Francisco de Assis e Santa Doroteia. Hoje, temos quase três
dezenas de Instituições de Ensino, menos de meia dúzia
públicas; as demais são privadas e oferecem um ensino de
nível discreto, compatível com a receita das mensalidades e
dos empurrões pecuniários do poder público. A cidade está
entre as mais violentas do mundo e seus gestores, quase
todos, têm contas a esclarecer com a Justiça. Não é difícil
entender as causas de tantas desconstruções administrativas.
À parte o despreparo de seus gestores, entre os quais
raramente encontramos alguém qualificado tecnicamente, o
nível de descaminhos dos recursos públicos é assustador.
Pobre Manaus! Pouco restou da Paris “cabocla”, além da
saudade da abundância experimentada pela borracha e pela
ZFM, em processo de desindustrialização, transformada em
corredor de exportação de recursos para a compulsão
tributária de Brasília. E não adianta chorar o leite derramado.
Já sabemos o que não queremos. Resta-nos, na clareza do
rumo a seguir, trabalhar, cumprir com os deveres e cobrar os
direitos.
*Advogada