22/02/2019
Gina Moraes de Almeida
publicado pelo Amazonas Atual
O Fundo de Fomento ao Turismo (FTI) foi criado em 8 de maio
de 1996 pela Lei 2.390 e regulamentado pelo Decreto Nº
23.994, de 29 de dezembro de 2003, que trata da Política
Estadual de Incentivos Fiscais e Extrasfiscais nos termos da
Constituição do Estado e dá outras providências e, desde
então, vem sofrendo alterações ao longo dos anos. Essas
verbas – próximas a novecentos milhões de reais ao ano, têm
por objetivo contribuir para o desenvolvimento
socioeconômico do Estado, em consonância com o Plano
Estadual de Desenvolvimento, que, diga-se de passagem, não
existe.
O recurso do FTI é recolhido pelas empresas incentivadas da
Zona Franca de Manaus, como contrapartida pelo incentivo fiscal, obrigatório e proporcional ao estímulo concedido. Cada
indústria tem uma modulação diferente e prevista em lei. O
que causa espécie a todos, inclusive às empresas
contribuintes, é a falta de transparência na utilização desse
recurso, criado com m específico, mas sempre utilizado para
custear e cobrir o rombo do desvio na saúde. O Decreto de
Regulamentação determina várias ações que não são atendidas pelo Estado, entre elas, a determinada no art. 59C –
“Os recursos do FTI, relativos à parcela destinada ao financiamento de novos empreendimentos, previsto no inciso
IV do § 2º do artigo 58, serão geridos pela AFEAM, a quem
compete aplicá-los de acordo com os programas aprovados,
prestar contas ao Comitê de Administração e exercer outras
atividades inerentes ao administrador de recursos.” Tudo
resta afundado na obscuridade da falta de transparência.
Os Conselhos de Acompanhamento são “formados” por
representantes da sociedade, à exceção do Fundo de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas e ao Desenvolvimento Social do
Estado do Amazonas – FMPES. O que está detrás do tão
cobiçado FTI? Como é possível o governo não dar satisfação à
sociedade acerca da forma como é usado esse recurso?
Criados por lei, esses Conselhos deveriam estabelecer critérios
de avaliação para aplicação dos recursos e de seus resultados.
Entretanto, nada acontece. Uma verdadeira farra com a
fantasia popular e generosidade com o chapéu alheio.
Quem conhece o Interior do Amazonas sabe das condições
adversas que maltratam os ribeirinhos, subjugados pelo
descaso do Poder Público, com jovens sem educação,
emprego e perspectivas, muitos deles afogados no mundo do
narcotráfico. Vejamos a contradição escabrosa: o Poder
Público, que os vinha usando, muitas vezes até integralmente,
para custeio da máquina pública, dessa vez, quer usar
trezentos milhões de reais do Fundo de Turismo e
Interiorização do Desenvolvimento – FTI para sanear os
estragos gerados pela incompetência de gestores do dinheiro
público, cuja consequência foi a deflagração da Operação
Maus Caminhos, que expôs um dos cânceres que assola o
Amazonas. Não é possível aceitar essa vergonha carimbada
pelos Deputados Estaduais, eleitos para tutelar os direitos dos
cidadãos. Desviar a finalidade do Fundo para cobrir o buraco
da roubalheira é inaceitável. Se a nalidade na aplicação dos
recursos não está sendo cumprida pelo Estado, resta claro que
existe algo de podre na Administração.
Semelhante insensatez é privar os Municípios do Interior do
Amazonas desses recursos, que poderiam criar infraestrutura
de competitividade econômica para substituir importações de
alimentos de outros Estados, já que oitenta por cento do que
vai à mesa do amazonense vêm de fora. Nada contra os outros
Estados. Tudo, porém, a favor de nossa gente. Cada operação
de crédito que a AFEAM disponibiliza para abrir uma oficina
de motocicletas, salão de beleza, padaria, lanchonete, entre outras demandas possíveis – gera, em média, três postos de
trabalho.
Ora, há algo errado e questionável quando a Assembleia
Legislativa, a pedido do Poder Executivo, cria legislação de
alcance setorial para desviar finalidades de Lei destinada ao
interesse público. A quem deve servir prioritariamente o texto
legal? É muito estranho quando o uso dos cofres públicos se
perde da mira do interesse da coletividade. Dados dos
indicadores industriais do Portal do CIEAM reportam à
quantia fabulosa dos Fundos nos últimos cinco anos. À
exceção da UEA, que ganha visibilidade no “ranking” das
academias do Brasil, não há registro de uma obra significativa
dos quase oito bilhões recolhidos pelas empresas da Zona
Franca de Manaus. Cofinamos no Ministério Público do
Estado do Amazonas para estancar o andamento dessa
anomalia. Devemos exigir transparência e planejamento, e
socorro aos aflitos, bem como pedir esclarecimentos sobre as
razões pelas quais os implicados nos fatos aqui apontados não
são obrigados a devolver ao erário as fortunas desviadas para fins obscuros. Como podemos reclamar das verbas que nos são
consficadas pela União, se nossos governantes não adotam o
critério da transparência e da gestão participativa como
critério básico da aplicação do dinheiro público na defesa dos
interesses dos cidadãos?
(*) Advogada