16/10/2018
Notícia publicada pelo site Valor Econômico
O Banco Central definirá, até dezembro,
um modelo geral para o funcionamento
do "open banking" no país para ser
implementado a partir do ano que vem.
Em linhas gerais, essa tecnologia
possibilita a terceiros acessar e até
mesmo movimentar recursos de contas
bancárias - desde que com a autorização
do cliente. O princípio é que os dados
financeiros são dos usuários, e não das
instituições financeiras.
A formatação pelo BC, já em discussão com os bancos, vai delimitar questões
como a sistemática de compartilhamento dos dados bancários dos clientes,
escopo de serviços que podem ser oferecidos e tipo de empresas que podem
atuar nessas plataformas abertas, além de prazos de implementação. No
mercado, uma das grandes expectativas é em que medida os bancos serão
estimulados, ou até forçados, a fornecer os dados de seus clientes, quando
autorizados por eles. Bancos e empresas de tecnologia financeira, as
"fintechs", também especulam sobre as vantagens e desvantagens de o órgão
regulador padronizar a forma de comunicação dos bancos com terceiros.
No open banking, as instituições financeiras disponibilizam informações
sobre seus clientes a outras empresas por meio dos chamados APIs,
interfaces de programação digital. Esse compartilhamento automatizado abre
espaço para a oferta de uma ampla gama de serviços financeiros por
diferentes instituições em um mesmo ambiente digital. O modelo também
permite ao usuário final dar início a pagamentos nessa plataforma,
autorizando o débito de uma de suas contas bancárias, por exemplo, para
quitar parcelas de financiamento que tenha contratado com outro banco ou
fintech ou para a compra de um produto ou serviço.
Alguns bancos já trabalham com parcerias no formato open banking no país,
mas, para que a plataforma passe a ser de fato um instrumento de estímulo à
concorrência, como pretende o Banco Central, o compartilhamento deve ser
mais abrangente, dando aos clientes poder para escolher as instituições que
podem ter acesso a seus dados. Internacionalmente, uma das principais
referências de regulação do open banking é a Europa, onde os bancos foram
obrigados a abrir os dados dos clientes de forma ampla, a partir do início
deste ano. Em um outro extremo, em Hong Kong, os bancos mantiveram por
ora autonomia para definir com que empresas ou instituições compartilham
os dados dos seus clientes.
No Brasil, o caminho considerado mais provável é o de uma regulação mais
impositiva, ainda que precedido de uma discussão com o mercado e de
consultas públicas. "Deve ter uma regulamentação, lógico, porque você
precisa de segurança em pagamentos, em dados, em utilização de sistemas",
afirma José Luís Rodrigues, conselheiro da Associação Brasileira de Fintechs
(ABFintechs). "Mas vejo esse processo como um caminho sem volta, e acho
que os bancos já entenderam isso."
Entre as grandes instituições financeiras, o Banco do Brasil é o mais
adiantado no desenvolvimento de parcerias no modelo de open banking. O
banco já compartilha dados por meio de APIs com empresas que prestam
serviços diferenciados aos clientes, como a ContaAzul, fintech que oferece
uma plataforma de gestão integrada ao fluxo das contas bancárias para micro
e pequenas empresas; a bxblue, startup de comparação de crédito
consignado; e a Dotz, principal programa de fidelidade do varejo brasileiro. O
compartilhamento das informações dos clientes só acontece com a
autorização expressa dos mesmos. O gerente-executivo da diretoria de
negócios digitais do BB, Carlos Rudnei, afirma que as parcerias são definidas
tendo em vista o modelo de negócios e o que vão agregar de vantagem para os
clientes.
Segundo o executivo, a expectativa é que o BC seja mais criterioso do que a
Europa na delimitação do leque de empresas que poderão acessar os dados
bancários. "Talvez venha algo mais regulado, mais fechado", afirmou. Rudnei
também diz entender que, diferentemente do que ocorreu na Europa, o BC
deveria definir uma padronização para as APIs, com modelos detalhados
para essas interfaces dos bancos com outras instituições e empresas. Segundo
ele, a regulamentação já é objeto de discussão dos bancos, via Febraban, com
o Banco Central, mas não há ainda indicações de como o órgão regulador vai
definir essas questões.
Procurada, a Febraban não quis comentar. O Banco Central também disse
que não comenta questões específicas relacionadas à formatação do modelo,
previsto para o fim do ano. Por meio de nota, a autoridade afirmou que o
open banking é um tema de interesse "tendo em conta o potencial impacto na
oferta de novos serviços financeiros e sobre a concorrência".
Ricardo Taveira, CEO da fintech Quanto, que desenvolve plataformas para
open banking, diz que o setor espera uma atuação "enérgica" do BC para
garantir que os dados dos clientes sejam de fato abertos e que a experiência
de acesso a essas informações seja a mais descomplicada possível, atendidos
os requisitos de segurança. Nesse sentido, ele defende uma regulação menos
detalhada como a estabelecida pela Europa para a comunicação com os APIs.
Esse modelo, segundo ele, se contrapõe ao adotado na Inglaterra, onde foi
feita uma padronização que envolveu inclusive o direcionamento da
linguagem a ser usada no compartilhamento de dados. "Do lado dos
consumidores das APIs, a experiência europeia tem sido melhor", afirmou
Taveira. "A boa condição de acesso passou a ser um ponto de diferenciação
competitiva entre os bancos, a partir de requisitos mínimos."
Marcílio Oliveira, diretor da Sensedia, que desenvolve APIs, acredita que o
processo de regulamentação não vai ser concluído antes de 2020. Ele vê certa
resistência dos grandes bancos em abrir as informações para outras
instituições e afirma que há muitas questões relacionadas à tecnologia e à
segurança a serem definidas. "Mas o movimento do open banking, na prática,
vai vir cada vez mais forte, e por meio dos bancos médios, não dos grandes",
acredita.
Um possível exemplo dessa resistência citada por Oliveira - e também de
como o governo deve lidar com ela - é a ação movida pelo Bradesco contra o
GuiaBolso, empresa que oferece aplicativo para a gestão de contas bancárias.
O Bradesco pede, na Justiça de São Paulo, que o GuiaBolso seja impedido de
coletar dados dos seus clientes. O Ministério da Fazenda pediu para atuar
como parte interessada na ação. Também solicitou que o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) investigue possíveis infrações
concorrenciais do Bradesco ao GuiaBolso.
Em sua petição, a Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da
Concorrência (Seprac) do Ministério da Fazenda argumentou que "aplicações
como o GuiaBolso contribuem para a educação financeira do consumidor e
[...] permitem que o consumidor tenha acesso a crédito mais barato, ao
mesmo tempo em que asseguram menor inadimplência", afirmou o órgão.
Procurado, o Bradesco disse, por meio de nota, que não comenta a ação judicial, mas "esclarece que acredita e incentiva a livre iniciativa e não pratica qualquer con